De repente a águia mugabizousse

Era uma vez uma águia que acusava, sistematicamente, um leão de falta de democracia. De cada vez que se cruzavam na selva, de cada vez que tinham de trocar argumentos em defesa das suas causas, a águia clamava pela legitimidade que tinha para esvoaçar nos céus: “Vocês, aí em baixo, têm a mania de que mandam na selva e que são todos melhores do que os outros animais. Mas são uns tristes, porque não sabem o que é a liberdade. Passam o poder sem consultar os outros leões. É uma monarquia dissimulada, só com cooptações, sempre entregue aos mesmos. Já eu, se esvoaço assim, com as asas bem abertas, é porque outras águias quiseram que eu o fizesse”, dizia ela quando pousava na sua roda de trotinete. O leão, coitado, engolia em seco: tinha noção de que não era, de facto, o bicho mais democrático, que levava a sério o conceito de “rei”. Porque a história dos últimos quinze anos esvaziava grande parte dos argumentos que poderiam utilizar para desmitificar essa ideia. A democracia andava, de facto, arredada daqueles lados.

Quis a ironia do destino que, de repente, o leão se democratizasse. Foi a votos, debateu, ponderou, escolheu o leãozinho e nomeou-o líder. Quis a ironia do destino que de repente a águia se mugabizasse: antecipou eleições, preparou a propaganda e pôs em marcha a evangelização do "falta só mais um saltinho para voltarmos ao céu. Fiquem comigo que as outras águias são todas trafulhas. E mesmo que não sejam, nem vão ter tempo de sequer abrir as asas". "Ora vamos lá ver como é que se brinca às democracias", pensou.